ANA MADUREIRA & VAHAN KEROVPYAN

Criações

NOVELOTECA

Comunidade – Oficina

A história da Noveloteca
Um dia comprei uma meada cor de salmão, a mais barata que havia naquela loja que parece uma biblioteca de novelos. Precisava de transformá-la em novelo porque queria sei lá porquê lançá-lo pela calçada de santo André, queria ver o fio a desenrolar-se por ali abaixo. A lã é uma matéria que me liga a um tempo antigo. Um fio de lã é a potência de uma camisola de Inverno.

Para transformar a minha meada em novelo eu precisava de uma pessoa que pudesse abrir os braços e acolhê-la. O Zé Manel, um homem que passa os dias sentado num banco de jardim lá para os lados da Graça, foi essa pessoa. Sem precisar de um porquê, todo o seu corpo se pôs em posição. Demorámos cerca de uma hora a enrolar o novelo. Unidos por um fio numa acção antiga, que quase toda a gente reconhece.

No fim, uma sensação de encontro. Soube-me muito bem, disse ele. Contei a minha vida e tu tens o novelo de que precisavas. Volta! Podemos trabalhar mais! Num instante esqueci para que queria o novelo e a minha atenção ficou naquele momento tão precioso do dobar. Dobar é uma boa forma de encontrar. De contar.

O passo seguinte: decidi dobar com 10 pessoas da Mouraria-Martim Moniz-Intendente-Anjos, pessoas com quem me cruzei por acaso na rua ou com quem combinei um encontro. Um menino de 9 anos, reservado e sonhador; uma mulher-touro, forte e independente; uma mulher da vida, solitária; um bahiano cheio de tempo; um burro que sonhava ser um homem; uma menina que fritava libelinhas; um velho cantador; uma princesa sem reino. Eu ía enrolando o novelo e com ele palavras, um suspiro, silêncio, olhares, um sapo, risos, intuições. Dos novelos surgiram 10 livrinhos escritos e ilustrados por mim.

E no pátio escondido no edifício da Santa Casa da Misericórdia, na rua da Mouraria, aconteceu pela primeira vez a Noveloteca, a convite de Madalena Victorino para o Festival Todos.

Havia braços prontos para receber as meadas dos visitantes (meadas que podiam escolher de entre as expostas, com os meus desenhos, na entrada do edifício), que eram convidados a dobar, conversar e escrever-desenhar uma história no final.

Criação, mini-livros ilustrados:
Ana Madureira
Pessoas que inspiraram os livros:
Anita, Augusto, D. Maria, D. Emília, D. Ermelinda, Gonçalo, Luisa, D. Rosa, Sr. Sílvio, e o burro que queria ser um homem
Um convite de Madalena Victorino para o Festival Todos 2010
© Ana Madureira